Com o respeito conquistado como atriz com o passar dos anos, Débora Falabella sabe que consegue escolher - ao menos "um pouco" - seus trabalhos. E foi sem qualquer dúvida que, há dois anos, ela disse "sim" ao convite de João Emanuel Carneiro para viver a justiceira Nina, de Avenida Brasil. Na época, o autor já tinha na cabeça a sinopse da atual novela das 21h da TV Globo e deixou claro que gostaria de ter a mineira como sua protagonista feminina.
"Fazer a anti-heroína pode ser muito mais interessante do que interpretar a mocinha que sofre demais e é maltratada. A Nina não é assim: ela já chega para o embate", valoriza Débora, que visitou um lixão, teve aulas com um chef de cozinha e até tirou habilitação para pilotar moto em função da personagem. "Adoro quando tenho um trabalho legal de composição, quando existem referências para criar os personagens. Assim, vou formando a minha bagagem para papéis futuros também."
Confira a entrevista completa com a atriz de 33 anos a seguir:
TV Press - Você interpreta a mocinha de Avenida Brasil, mas a personagem começa a história tramando um plano de vingança. Como lida com essa dubiedade entre a imagem da mocinha e da anti-heroína?
Débora Falabella - Olha, eu diria que, na verdade, se trata de um acerto de contas. A Nina busca justiça por causa das maldades que sofreu na infância. Esse detalhe fortalece a trama. Mas o João Emanuel tem escrito histórias assim mesmo, não é? Não são personagens totalmente bons ou maus. E muita gente faz coisas duvidosas para conseguir alcançar algum objetivo. Dentro desse contexto, acho que minha personagem tem todos os motivos para correr atrás do que ela acredita ser justo.
TV Press - Você tem receio que o público rejeite essa ideia de "acerto de contas" e não torça por Nina?
Débora - Bom, como intérprete, é claro que eu vou defender sempre essa personagem. Mas o João é muito inteligente e enxergo que muitas vezes é tão interessante o público torcer quanto não torcer e duvidar. Porque os seres humanos são assim, têm muitas faces distintas. Vejo Avenida Brasil como uma novela muito focada no real, no lado mais humano mesmo. Além disso, o público gosta também dessa coisa mais dúbia, em que você não sabe exatamente o que esperar diante de cada situação. Sem contar que as pessoas curtem quando uma vilã é colocada à prova por uma mocinha que se fortalece e tenta se vingar. Essa relação pode ser extremamente interessante.
TV Press - Você aparece apenas no sétimo capítulo, quando Nina está crescida, já foi adotada e leva uma vida tranquila na Argentina. Mesmo assim, fez questão de conhecer a rotina de um lixão, onde ela passa parte da infância?
Débora - Sim, eu fui ao Jardim Gramacho, na Baixada Fluminense. É um lugar enorme, mas que já começa a ser desativado. É impressionante! As pessoas realmente trabalham ali, tem gente que tem outros empregos e vai para complementar a renda. Só que, para quem não está acostumado, é muito impactante. Principalmente porque fica clara a quantidade enorme de lixo que uma cidade produz. E quem faz essa reciclagem são aquelas pessoas. Mas no Jardim Gramacho não há crianças. Esse lixão da novela é provavelmente um clandestino, fictício, até porque imagino que deve ser muito triste às crianças trabalhar naquela situação. Já é triste para um adulto, pois deixa ele exposto a muitas doenças, imagina à criança.
TV Press - O que mais impressionou você? O cheiro era muito forte?
Débora - Isso é engraçado porque todo mundo falava demais nessa questão do cheiro. As pessoas me diziam que eu ia ficar bastante incomodada, que não conseguiria ficar lá. É claro que não cheirava bem, isso é óbvio. Mas fiquei tanto com essa ideia na cabeça que, involuntariamente, devo ter me preparado. Não é uma coisa fácil. Até porque é lixo. E não é qualquer um, é você pegar essa ideia de lixo que deve estar passando pela sua cabeça e multiplicar milhares de vezes. No final, o cheiro não foi um grande terror. E olha que eu passei um bom tempo por lá, conversei bastante com as pessoas.
TV Press - Com quem você foi? As pessoas estranharam sua presença ali? A reconheceram?
Débora - Eu pedi para a emissora me levar. Então, fui com um produtor. Mas fomos acompanhados também por um representante da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro). Não sei como seria se eu fosse só com atores. Talvez tivesse sido diferente. Me reconheceram, sim, mas as pessoas não sabiam direito que haveria uma novela que falaria disso na emissora. Ouvi sobre como é o trabalho ali, percebi que eles trabalham conversando, brincando, mesmo diante de uma atividade perigosa. Tem aqueles caminhões enormes que chegam e despejam lixo o dia todo. Fiquei bastante impressionada! Ainda mais porque fui em um dia de chuva.
TV Press - De que forma isso ajudou você na construção da Nina?
Débora - Em volta do Jardim Gramacho tem uma favela onde algumas pessoas moram. E elas parecem ter uma vida difícil. Não é uma questão de frescura minha, já gravei em favela, já fiz outros trabalhos em comunidades carentes, conheço como elas são. Mas ali, realmente achei muito complicado. Primeiro, pela proximidade daquelas pessoas de tanto lixo. E as casas são muito pequenas. É uma região de miséria, de um povo sofrido que merece atenção. Aquilo me tocou, não consigo explicar o que muda no meu trabalho. Mas me tocou.
TV Press - Essa é a segunda protagonista de sua carreira na Globo. Interpretar a mocinha da trama assusta você? Se sim, de que forma esse "acerto de contas" que a Nina busca lhe auxilia na missão?
Débora - Na verdade, eu gosto de personagens bons. Dentro dessa visão, uma mocinha que não é tradicional é extremamente sedutora. É um papel interessante, bem rico. E eu nunca fiz uma vilã de verdade. As pessoas me perguntam demais se tenho vontade de fazer uma malvada. É claro que sim, mas acho que tenho conseguido manter uma diversidade de papéis na televisão. Por ter esse meu físico, sei que passo uma imagem de menina frágil. E os profissionais de TV olham para a fisionomia das atrizes e cada uma se encaixa em um perfil. Mas é muito legal quando isso é ultrapassado e quebrado.
TV Press - Você já chegou a conversar com alguém sobre isso?
Débora - Ah, eu escolho um pouco os trabalhos que faço. Trabalho muito no teatro e cinema, onde temos uma liberdade grande também. Mas, mesmo na televisão, com A Mulher Invisível e Escrito nas Estrelas, por exemplo, fiz trabalhos bem distintos e bacanas. Já aconteceu de eu achar que determinada personagem seria muito parecida com outra que já tinha feito e, então, me chamarem para outro papel. O que eu acho normal.
TV Press - No caso de Avenida Brasil, além da proposta de interpretar uma anti-heroína, o que mais esse trabalho trouxe de novo para você?
Débora - A Nina se transforma em chef de cozinha, então tive aulas com o chef Écio (Cordeiro de Mello). Ele me ensinou muita coisa, me dando instruções enquanto eu preparava alguns pratos. Os cozinheiros têm uma maneira de falar, um trejeito, acessórios e utensílios que eles usam. Pude observá-lo e aprender um pouco mais sobre essas coisas. Fiquei uns 20 dias bem intensos nesse aprendizado. Fora andar de moto...
TV Press - É você mesma pilotando a moto nas cenas da Nina?
Débora - Sim, sou eu. Tirei a carta para essa personagem.
TV Press - A direção pediu que você tirasse a habilitação para motos ou foi uma opção sua?
Débora - Ah, para andar você tem que tirar! Se não tira, não pode pilotar, não ficam reais as cenas. Mas eu achei ótimo, alguns personagens trazem coisas para a nossa vida. Essa foi uma das heranças que a Nina já me deixou.
TV Press - E você já comprou uma moto? Adotou essa novidade para sua vida pessoal?
Débora - Não, eu confesso que ainda não peguei gosto. É bastante perigoso, acho que não é qualquer pessoa que deve fazer isso. Já perdi um pouco do medo, é verdade, mas acho complicado andar na cidade. Até de carro já é difícil.
Caminho do bem
A primeira protagonista de Débora Falabella na Globo veio em Sinhá Moça, quando interpretou a personagem-título do remake de Benedito Ruy Barbosa, em 2006. Mas a função de mocinha é recorrente na carreira da atriz. Foi assim em quase todos os trabalhos, como quando viveu a sofrida Mel, de O Clone, que lutava para se livrar das drogas e viver um grande amor com o humilde Xande, interpretado por Marcelo Novaes. Ou quando encarnou as determinadas Maria Eduarda e Júlia, em Senhora do Destino e Duas Caras, respectivamente, novelas de Aguinaldo Silva. "Nunca me incomodou interpretar mulheres boas. Só não gosto de fazer a mesma coisa. Quando as propostas são diferentes, não vejo problema", defende a atriz, sempre com a voz serena.
Mas Falabella até interpretou uma aspirante a vilã na TV. Em Escrito nas Estrelas, Zezé Polessa e ela viveram as deslumbradas Sofia e Beatriz, mãe e filha dispostas a qualquer coisa para se darem bem na vida. Mas como o grande vilão da história era o maquiavélico Gilmar, papel de Alexandre Nero, acabou sobrando para as duas as cenas mais cômicas da trama - um lado que, até então, Débora ainda não tinha explorado tanto nas telinhas. "É claro que quero fazer uma vilã. Mas estou satisfeita com os rumos que minha carreira tomou", garante.
Volta ao passado
Avenida Brasil fez Débora Falabella relembrar uma fase importante de sua carreira. Em 2000, a atriz morou em Buenos Aires para gravar a novela infantil Chiquititas, exibida entre 1997 e 2001 pelo SBT. Agora, 12 anos depois, a atriz voltou ao país para gravar cenas de Nina. Isso porque, no texto de João Emanuel Carneiro, sua personagem é adotada por uma família argentina e consegue sair da miséria do lixão.
"Foi um reencontro muito bacana. Passei 10 meses gravando lá quando fiz Chiquititas e foi muito bom poder voltar justamente em uma fase tão importante da minha vida, com esse papel", diz. Desta vez, ela passou apenas 10 dias gravando em Mendoza, no oeste do país, um importante pólo de produção de vinho e de azeite.
Trajetória na TV
Malhação (Globo, 1998) - Antônia
Chiquititas (SBT, 2000) - Estrela
Um Anjo Caiu do Céu - (Globo, 2001) - Cuca
O Clone (Globo, 2001) - Mel
Um Só Coração (Globo, 2004) - Raquel
Senhora do Destino (Globo, 2004) - Maria Eduarda
JK (Globo, 2006) - Sarah Kubitschek
Sinhá Moça (Globo, 2006) - Sinhá Moça
Duas Caras (Globo, 2007) - Júlia
Som & Fúria (Globo, 2009) - Sarah
Escrito nas Estrelas (Globo, 2010) - Beatriz
A Mulher Invisível (Globo, 2011) - Clarisse
Avenida Brasil (Globo, 2012) - Nina